A metodologia lean não é um conceito estranho para a maioria das pessoas. As empresas que se estão se aventurando no lean precisam estender este pensamento a todos os departamentos. E isto inclui a manutenção, que é a segunda maior despesa das empresas depois dos custos com energia (em média). Mas, em que consiste realmente a manutenção lean ou a “manutenção enxuta”, como é conhecida por aqui? 

 

Se procurar “manutenção lean” no Google, vai encontrar diversas variações desta definição:

 

“A manutenção enxuta é uma operação de manutenção proativa que planeja e agenda a manutenção segundo práticas de TPM. Aplica manutenção centrada na confiabilidade e se baseia em decisões lógicas, empregadas por equipes autossuficientes. A manutenção lean adota os princípios lean na Manutenção, Reparação e Operações (MRO), reduz as paragens não planejadas e a sobrecarga do departamento. Para alcançar estes objetivos, aplica ferramentas lean, como mapeamento de processos, 5S, gestão visual, TPM, OEE, Kaizen, Poka-Yoke, Kanban, CMMS ou EAM, e takt time.”

 

Se você leu tudo isso e pareceu japonês… você não está errado, pois é japonês. Embora seja uma definição perfeitamente correta, exige muita interpretação. E foi exatamente isso que decidimos fazer! Se quer explorar este tema, continue a leitura. 

O que é o lean manufacturing e como se aplica à manutenção?

A metodologia lean defende que podemos aumentar a eficiência da produção ao eliminar ações sem valor acrescentado. As ações de valor não acrescentado são aquelas que não contribuem para o produto em si, como o planejamento, montagem de equipamentos, inspeções, faturação, etc. Estas atividades são consideradas um desperdício e, por isso, devem ser reduzidas ao mínimo. Para reduzir o desperdício, a filosofia lean se sustenta nos princípios dos 5S: seiri (senso de utilização), seiton (senso de organização), seiso (senso de limpeza), seiketsu (senso de padronização), e shitsuke (senso de disciplina). 

 

No lean manufacturing, o objetivo é estabelecer uma cadeia de alta qualidade, com um sistema simplificado, que permite corresponder à procura dos clientes. Não deve haver tempo de espera, nem downtime, nem defeitos. É impossível atingir estes objetivos sem manutenção planejada, mas existe um pequeno dilema. As inspeções, monitoramento, revisão, reparação e até a manutenção rotineira dos ativos são ações sem valor acrescentado. Então, a pergunta deve ser: como podemos ser fiéis aos princípios dos 5S e reduzir o desperdício da manutenção?

 

Os “8 desperdícios do lean” aplicados à manutenção

De acordo com o lean manufacturing, os desperdícios são divididos em 8 categorias. A maneira mais fácil de os reduzir é entender como cada um se aplica à manutenção: 

 

  • Superprodução: o excesso de produção é um dos desperdícios do lean manufacturing. Na manutenção, isto equivale a manutenção improdutiva – ações de manutenção preventiva ou preditiva executadas com mais frequência do que o necessário. 

 

  • Defeitos: os produtos com defeito são um dos grandes pesadelos do lean manufacturing (ou talvez seja só bom senso). Em manutenção, isto equivale a manutenção e reparações mal executadas.

 

  • Excesso de transporte: quando as peças e os materiais não estão à mão, os técnicos perdem tempo. A manutenção descentralizada resulta em excesso de transporte e desperdício de tempo na procura de documentos e ferramentas.

 

  • Processamento impróprio: as decisões baseadas em dados são o nosso dia a dia. Mas, primeiro, é preciso encontrar os KPIs certos. Recolher dados desnecessários, ou não recolher os que são realmente importantes, ou não procurar as causas raiz das falhas comprometem os insights sobre as ações de manutenção.

 

  • Tempos de espera: talvez seja o desperdício mais óbvio. Ficar à espera de indicações ou por peças que ainda não chegaram não pode acontecer numa manutenção lean

 

  • Movimentos desnecessários: em manutenção, isto se relaciona diretamente com a manutenção improdutiva. Será que os técnicos devem se deslocar para fazer uma inspeção mensal, sem considerar o estado do ativo?

 

  • Inventário em excesso: a gestão ineficiente do inventário, que provoca deade quebras de estoque a estoque em excesso, tem custos. Uma gestão de materiais MRO limita o estoque ao estritamente necessário, enquanto os princípios “just-in-time” (“na hora certa”) e kanban só recebem materiais quando estes são necessários.

 

  • Má utilização do capital humano: outro erro fatal é ocupar técnicos altamente especializados com tarefas menores. Uma forma de evitar isto é através de Manutenção Autônoma e de TPM, que distribuem essa responsabilidade por toda a equipe.

 

Técnicas de manutenção lean para evitar o desperdício 

Evitar os desperdícios que citamos acima é o que nos leva às estratégias que falamos logo no início: 

 

  • Manutenção Produtiva Total ou TPM, cujo objetivos são zero paragens, zero downtime e zero defeitos, é a base para a manutenção lean.
  • A manutenção autônoma, um dos oito pilares da TPM, torna as equipes mais autossuficientes e independentes, o que liberta os técnicos para tarefas mais complexas. Um dos passos para implementar uma estratégia de manutenção autônoma é precisamente estabelecer um sistema de gestão mais visual (através de etiquetas, por exemplo), o que se enquadra nos princípios do lean
  • Manutenção centrada na confiabilidade ou baseada na condição – em vez de manutenção planejada em intervalos de tempo, sem considerar a probabilidade de falhas – para evitar trabalho em excesso. A análise de vibrações e os testes de ultrassom, por exemplo, são técnicas de manutenção baseadas na condição.
  • Gestão de estoques e de aquisições MRO, para organizar o inventário de maneira mais eficiente, reduzir os tempos de resposta, evitar quebras de estoque e overstocking. Se você costuma planejar a manutenção considerando os ciclos de uso, então é bom saber com que velocidade precisa completar a produção. Este é o intruso Alemão no lean Japonês: takt time
  • Mapeamento do Fluxo de Valor (ou VSM) e mapeamento de processos, para ter uma perspectiva do processo no seu conjunto, o que evita a duplicação de tarefas, excesso de movimento e de transporte, assim como tempos de espera.
  • Eventos Kaizen, que promovem a avaliação e melhoria contínua da gestão de tempo, de recursos e de qualidade – não se esqueça que a melhoria contínua também é outro dos pilares da TPM. Muitas vezes, estes eventos acontecem em um ritmo muito acelerado, conhecido como “Kaizen blitz”.
  • Acompanhe o OEE para tomar decisões com base em dados concretos, e conseguir melhorar o OEE continuamente. Como o OEE é um produto direto da disponibilidade, desempenho e qualidade, também precisa adicionar o MTTR e o MTBF à sua lista de KPIS.
  • Ferramentas de análise de causa raiz, incluindo FMEA, para encontrar a causa raiz e prevenir problemas no futuro. As análises de causa raiz também podem ser usadas para testar o design dos ativos e dos produtos, para eliminar características que podem ser problemáticas no futuro. Esta técnica é conhecida como manutenção design-out (“manutenção de eliminação”, em tradução livre), e costuma se reservar para ativos de alta criticidade ou que requerem muitos custos de manutenção. Você pode também tentar outras técnicas como o Poka-Yoke, ou “prova de erro”. 
  • Use um CMMS, ou outro sistema de gestão de ativos, para criar uma ordem de trabalhos, decidir prioridades e monitorar todos os seus KPIs com facilidade. E não se esqueça que este sistema de gestão também deve ser lean, por isso evite softwares com funcionalidades que só vão criar poluição visual. Prefira uma sistema em módulos com um dashboard customizável. 

 

Existem várias estratégias que você pode aplicar para ser bem-sucedido na manutenção lean. Mas, acima de tudo, nunca se esqueça que este é um debate que deve acontecer sempre. Afinal, não existe uma receita. O importante é entender como essas técnicas se complementam e como cada uma ajuda a evitar desperdícios.