Talvez já tenha lido algures que 80% dos erros de manutenção envolvem fatores humanos. É um número muito divulgado, que vem de um manual de 2008 para técnicos de manutenção aeronáutica. Se essa taxa de erros humanos ainda é a mesma hoje em dia ou se essa percentagem é semelhante em todas as indústrias, não sabemos. No entanto, uma coisa é certa: todas as pessoas cometem erros.

 

Nenhum gestor consegue contrariar a natureza humana. Mas é possível promover situações e condições que não conduzam a erros com tanta frequência. Hoje vamos analisar como pode reduzir os erros humanos na manutenção e evitá-los com competências interpessoais, tecnologia e, claro, dados! 

 

Todos os erros são erros inocentes?

Existem dois tipos de erros, intencionais e não intencionais. Os erros intencionais são violações deliberadas, algo que acontece devido ao desrespeito pelas regras, incapacidade de as seguir ou ocasionalmente devido a um comportamento que busca a emoção. De modo geral, isto é algo que ser analisado em equipa.

 

Depois há erros não intencionais, que são de natureza mais benigna. Podem ser descuidos ou lapsos momentâneos, e acontecem a qualquer pessoa. Mas porque é que cometemos estes erros? E como podemos evitar que eles aconteçam? É neste ponto que nos vamos focar para a primeira parte do artigo.

 

Mas porque é que cometemos erros? (E como evitá-los)

 

Isto pode parecer uma pergunta que faria às 2 da manhã, consumido pelo cansaço e pelo stress de uma avaria gravíssima. Mas há vários mecanismos que levam os humanos a cometer erros, e é interessante explorá-los. Caso contrário, como é que melhora a prevenção? (Já agora, aqui vai facto engraçado: é mais provável que cometamos erros durante as primeiras horas da madrugada, por isso evite tomar decisões às 2h da manhã, após uma avaria).

 

Memória, atenção e o “local de trabalho consciente”.

A atenção é um recurso limitado. Prestamos atenção durante um período de tempo limitado, e somos seletivos. Cada um de nós processa apenas uma quantidade limitada de informação e dados sensoriais. Uma distração não relacionada pode, portanto, ser suficiente para nos desorientar num procedimento padrão ou para nos esquecermos do que tencionávamos fazer a seguir. Pode também haver lapsos momentâneos, como esquecermo-nos de algo que sabemos ou não repararmos num problema.

 

  • Desenvolvimento de procedimentos operacionais padrão 

O desenvolvimento de procedimentos operacionais padrão é a melhor forma de combater falhas de memória e pequenos descuidos. Embora as ordens de trabalho compilem muita informação, os procedimentos operacionais padrão com foco no utilizador melhoram a conformidade e a qualidade. Mantenha presente estas estatísticas:

 

Os procedimentos escritos reduzem o erro a 5%

Os procedimentos escritos com uma checklist reduzem-no para 1% 

 

  • Automatizar processos

Outra forma de evitar erros humanos… é utilizar máquinas. Automatize o máximo de processos que puder na sua plataforma de manutenção! Por exemplo, se as pessoas continuam a cometer erros ou a esquecer-se das coisas, registe tudo na plataforma e deixe que as notificações push trabalhem.

 

  • Controlar distrações 

Se os seus funcionários se distraem frequentemente, pode ajudá-los de várias maneiras. Em primeiro lugar, quando todos estão conscientes desse risco, vão pensar duas vezes antes de interromper. Mas também pode melhorar a disposição da sala, fornecer sugestões visuais, permitir-lhes que silenciem as notificações antes de terminarem o trabalho atual, e assim por diante.

 

Vigilância reduzida e lapsos técnicos 

Quantas vezes já procurou algo que estava mesmo debaixo do seu nariz? Quanto mais tempo os inspetores demorarem a fazer uma inspeção, maior é a probabilidade de deixarem escapar as falhas óbvias. Para além destes erros, há também falhas técnicas. Isto significa que passamos para um modo “automático” e recorremos a comportamentos de rotina não intencionais, mesmo quando não é suposto (por exemplo, utilizando uma ferramenta comum em vez daquela que a ordem de trabalho exige).

 

  • Distribuir a carga de trabalho e gerir a fadiga

O número de horas que alguém trabalhou, e mesmo a hora do dia (que afeta os técnicos que trabalham por turnos) pode ter impacto na capacidade de executar uma tarefa corretamente. Lembre-se disto quando estiver a distribuir tarefas e não deixe as tarefas mais exigentes para as piores alturas.

 

  • Atribuir tarefas de forma apropriada 

As tarefas executadas mais e menos frequentemente são as mais suscetíveis de resultar em erros. Tenha isso em conta ao atribuir tarefas e procure alguma ‘variedade’ para cada técnico, de forma a evitar erros técnicos. Além disso, vai garantir que os técnicos não ficam destreinados!

 

  • Combata o burnout

Um estudo de 2018 concluiu que 23% dos técnicos no terreno se sentem “muitas vezes ou sempre” esgotados no trabalho e 44% sentem-se “por vezes” esgotados, o que significa que 67% (dois terços!) não estão no auge das suas capacidades no trabalho. Fale regularmente com cada trabalhador para ter a certeza de que se sentem bem e que são bem tratados.

 

Falta de conhecimento ou perícia 

Por vezes, resume-se só à inépcia da pessoa que efetua a reparação. Toda a gente, de vez em quando, quer dar um passo um pouco maior que a perna, porque não é fácil dizer “não sei”. Antes de atribuir uma tarefa a um técnico, certifique-se que ele tem a formação e experiência adequadas em equipamentos semelhantes.

 

  • Providenciar formação 

Certifique-se que ninguém assume uma tarefa pela primeira vez sem formação adequada. E não só. Deve sensibilizar toda a gente para situações e fatores que possam conduzir a erros, como fadiga ou pressão, para ajudar os técnicos a ter cuidado e sugerir formas de evitar erros.

 

  • Encorajar ensaios mentais 

Antes de executar uma tarefa, incentive os técnicos a fazer um ensaio mental. Rever previamente cada passo melhora a preparação mental – o que, por sua vez, melhora a qualidade e fiabilidade. No futuro, este “ensaio” pode ser ainda mais preciso com a ajuda da realidade aumentada, por exemplo.

 

Vieses

Ninguém está livre de vieses, incluindo os gestores. Sofremos frequentemente de vieses de confirmação – o que significa que tendemos a procurar dados que confirmem a nossa suspeita inicial. Para além deste viés, há também a tomada de decisões emocionais. Quando nos sentimos frustrados, por exemplo, podemos tomar decisões de cabeça quente, sem ponderar cuidadosamente todas as opções.

 

  • Auditar regularmente

Em vez de deixar que os vieses influenciem o seu discernimento, olhe para os dados. Para além dos relatórios de dados, pode definir tarefas, executar auditorias automáticas e fazer uma avaliação informada. Precisa de mais informações? Veja porque deve fazer auditorias à manutenção e sobre como realizar uma auditoria.

 

Erros do sistema 

Há alguns anos, um estudo em centrais elétricas fósseis fez uma descoberta interessante.  56% das avarias aconteceram menos de uma semana após uma paragem planeada para manutenção. Porquê? Provavelmente, porque o sistema não foi devidamente inspecionado ou testado antes de ser novamente posto em funcionamento. 55-65% destas avarias estavam relacionadas com desempenho humano.

 

  • Implementar controlos de segurança

Utilize procedimentos como o lockout-tagout para garantir que o equipamento não constitui um perigo para ninguém. Além disso, é útil ter os registos do equipamento para verificar o que correu mal em paragens anteriores, em que fase do ciclo de vida se encontra, e assim por diante.

 

  • Promover inspeções

Mais um par de olhos é a melhor maneira de encontrar um erro e evitar consequências piores. Arranje uma segunda pessoa para inspecionar o equipamento antes de o colocar de novo ao serviço. Dica extra: utilize uma checklist para ajudar o inspetor responsável (aqui não há vigilância reduzida!).

 

Violações intencionais

É como se as violações não merecessem o seu próprio capítulo (ou, neste caso, o seu próprio artigo), mas confiamos na boa-vontade dos seus trabalhadores. As violações são geralmente classificadas como violações de rotina, de modo a de evitar trabalho (como atravessar a rua no local errado); violações à procura de emoção para evitar a monotonia ou conseguir elogios (como conduzir acima do limite de velocidade); ou situacionais (não é possível seguir regras). A única forma de contornar isto, é estabelecendo uma cultura intolerante ao erro.

 

  • Responsabilizar as pessoas

Responsabilize as pessoas pelos seus erros. Não estamos a sugerir a implementação de uma “cultura do medo” – que pode ter um desastroso efeito contrário – mas é preciso que compreendam as consequências dos seus erros. A cultura da “responsabilização” deve existir mesmo entre pares para desenvolver uma intolerância natural às violações.

 

  • Enfrentar as violações deliberadas

As violações deliberadas, especialmente quando são por uma questão de emoção, são assuntos sérios. Investigue-as exaustivamente, descubra quem as cometeu e chegue à causa raiz. Por vezes pode ser necessário ter uma posição mais dura – é importante que as violações não se tornem rotina.

 

  • Providenciar liderança 

Providenciar liderança é uma das melhores formas para desenvolver uma cultura mais saudável que não crie transgressores. Proporcione aos trabalhadores orientações e objetivos, seja transparente, esteja aberto à mudança de processos, explique que os procedimentos não são um “capricho” e continue a investir nas competências técnicas dos seus funcionários.

 

Aprenda com os erros

Lembra-se quando dissemos que uma análise de causa raiz nunca deveria culminar em “erro humano”? Os erros são consequências e não causas. Investigue porque é que os erros recorrentes continuam a acontecer – há 100% de probabilidade que algo precisa de ser melhorado. A análise de causa raiz pode ser uma grande aliada na sua investigação. Poderá também analisar o FRACAS – Sistema de Notificação de Falhas, Análise e Ações Corretivas e usar os erros como uma oportunidade para melhorar.

 

A manutenção é um trabalho exigente que requer atenção aos detalhes e elevada perícia. Talvez seja isso que a torna particularmente propensa a erros. No entanto, é inútil tentar mudar o comportamento humano. Os gestores devem tratar os erros humanos como normais, esperados e como um aspeto previsível do trabalho de manutenção. Por outras palavras: não mudar as pessoas, mudar as condições em que as pessoas trabalham.