Numa altura em que todo o mundo combate o mesmo inimigo, todos tivemos de abraçar novas tecnologias e descobrir os seus benefícios, apesar de ainda haver um longo caminho a percorrer. Como resultado, a COVID-19 pode muito bem ter sido a consagração da Internet das Coisas (IoT).

 

O mercado da IoT, que valia 150 mil milhões de dólares em 2019, deverá valer 243 mil milhões em 2021. O teletrabalho, o rastreio de cadeias de transmissão, os pagamentos contactless e até uma “Saúde 4.0” só foram possíveis graças a diversas aplicações da IoT.

 

Então, que tecnologias vieram realmente para ficar? Como é que a IoT nos pode ajudar num cenário de distanciamento social prolongado ou numa próxima pandemia? Em que tipo de tecnologias devemos apostar no regresso ao trabalho? 

 

Ao longo deste artigo, vamos explorar as diversas áreas em que a IoT nos ajudou a superar a pior fase da pandemia e como a COVID-19 mudou a nossa percepção da IoT para sempre. 

 

Teletrabalho: cloud e acesso remoto

O teletrabalho foi obrigatório durante o Estado de Emergência, e continuará a sê-lo nos casos em que for possível.

 

Claro que o teletrabalho não é uma novidade, mas em março mais de metade dos trabalhadores portugueses (54.5%) não conseguiam trabalhar à distância. Aliás, apenas 9% afirmavam poder desempenhar as suas tarefas de forma alargada em teletrabalho. A curva de aprendizagem foi uma escarpa íngreme que subimos em dois meses.

 

O teletrabalho já era uma tendência em crescimento por diversos motivos. Oferece-nos mais flexibilidade, menos tempo perdido em trajetos casa-trabalho, permite às empresas poupar em espaços físicos e ter equipas a trabalhar em diversas localizações. Mesmo antes da pandemia, as tecnologias de IoT que mais interesse suscitavam às empresas eram os sensores (84%), processamento de dados (77%) e plataformas na cloud (76%). 

 

Sem dúvida que não teria sido possível manter as infraestruturas a funcionar sem toda a tecnologia que adotámos nos últimos anos: cloud computing, ferramentas colaborativas (como softwares de videoconferência, de gestão de projetos, chats), acesso remoto a computadores e sincronização de dispositivos, VPN e apps mobile-first. E é exatamente este tipo de soluções que, segundo as previsões, mais irá crescer entre em 2020 e 2021. 

 

Sensores inteligentes para medir a qualidade do ar 

A ventilação adequada de espaços utilizados por muitas pessoas sempre foi um desafio. É frequente que os edifícios tenham ar excessivamente poluído, com monóxido de carbono, pó de amianto, resquícios de bolor ou de pesticidas, além de outros compostos orgânicos. Mas talvez nunca se tenha falado tanto da necessidade de ventilar os edifícios como agora, uma vez que é uma medida de segurança essencial para prevenir o contágio de COVID-19.

 

A preocupação com a qualidade do ar aumenta à medida que se vai descobrindo mais sobre o comportamento do SARS-CoV-2, o vírus causador da doença. Já sabemos que a distância social em espaços fechados deve ser um pouco superior ao que esperávamos no início da pandemia. Depois ficou provado que as partículas aerossolizadas criavam uma via de contágio fecal-oral. Agora, detetaram-se partículas de vírus suspensas em ar poluído, recolhido na zona industrial de Bérgamo (Itália). 

 

Se o SARS-CoV-2 é realmente mais resistente do que pensávamos inicialmente e pode permanecer na atmosfera, então monitorizar a qualidade do ar ganha outra urgência.

 

Uma das soluções mais rápidas, e relativamente económica, é a instalação de sensores que recolhem informação sobre a qualidade de ar e ficam ligados a um sistema de Inteligência Artificial que consegue ativar e desativar os sistemas AVAC conforme necessário

 

A ascensão do robot

Para os gestores de manutenção industrial, cumprir o distanciamento social numa linha de montagem é um desafio. Muitas fábricas terão de repensar o seu layout para conseguirem cumprir todas as normas de segurança, enquanto outras terão que trabalhar com equipas reduzidas. Para que isto não implique uma quebra de produção, muitas empresas terão de recorrer à IoT para sobreviver e automatizar processos.

 

Os robots estão associados ao medo subliminar de perder empregos, mas as perguntas que se impõem agora são: como é que os robots podem acelerar a nossa recuperação? Como é que podemos usar a tecnologia para nos proteger do contágio? Como é que nos podem ajudar a manter a distância social? Como é que automatizar determinados processos nos prepara para futuras pandemias?

 

Não se trata de substituir trabalhadores, mas sim de tornar os processos mais seguros, mais eficazes e mais produtivos. 

 

Os smart robots podem servir, por exemplo, para entregar materiais e comida (tal como já acontece em alguns hospitais) ou para dispensar medicamentos e stocks (como acontece em algumas farmácias). Mas não estão connosco só na doença! Há empresas que estão a usar drones para fazer entregas seguras ao domicílio. A XAG e a Huawei converteram robots e drones usados para espalhar adubos agrícolas em sprays desinfetantes. 

 

Será o blockchain uma arma contra a COVID-19?

O blockchain é uma das tecnologias mais promissoras dos últimos anos. Muito sucintamente, o blockchain surgiu para controlar as transações com criptomoedas, de forma a garantir que cada troca corresponde a um valor real. Depois de uma informação (“bloco”) ser inserida nesta “corrente”, não pode ser apagada ou alterada e pode ser consultada por qualquer pessoa. Ou seja, ninguém consegue vender as mesmas criptomoedas duas vezes.

 

Apesar de esse ter sido o propósito inicial, o blockchain pode ter diversas aplicações. Uma das mais conhecidas é o uso de blockchain no retalho, o que permitiria controlar toda a cadeia de distribuição. Conseguiríamos saber, por exemplo, onde é que um determinado lote de produto foi fabricado, a que temperatura viajou no camião frigorífico e os armazéns por onde passou. E esta informação seria absolutamente fiável porque, como já explicamos acima, esta corrente é inviolável. Chegámos ao fim da era da contrafação. 

 

Parece-lhe demasiado futurista? Nem por isso. Desde 2018 que a SONAE tem um projeto que permite rastrear a cadeia de distribuição de produtos frescos por uma questão de segurança e transparência. A ser possível controlar toda a cadeia de distribuição, seria fácil retirar de circulação ou desinfetar produtos que possam ter estado com contacto com trabalhadores e estafetas infetados com COVID-19. Portanto, num cenário de pandemia, poucas tecnologias podem oferecer mais confiança aos consumidores. 

 

Controlo de Stocks

Com a disrupção das cadeias de distribuição, o controlo de stocks foi um dos maiores desafios que os retalhistas e os armazenistas tiveram de enfrentar durante o confinamento – e é possível que esta dificuldade se continue a sentir até ao fim do ano. Mas, sem dúvida, empresas que já usavam etiquetas NFC para controlar a entrada e saída de stocks dos armazéns tiveram esta tarefa facilitada. 

 

Por outro lado, os sistemas de track & trace usados por algumas transportadoras mostraram-se essenciais para manter o e-commerce em pleno funcionamento e gerir os atrasos nas entregas em tempo real. Ou seja, a IoT tornou-se uma forma de oferecer um serviço mais rápido e transparente ao consumidor final. Se o confinamento realmente mudar os nossos hábitos de consumo, esta poderá ser uma das novas exigências.

 

IoT e a Saúde 4.0

A saúde é um dos setores que mais tem a ganhar com o desenvolvimento tecnológico. Hoje, podemos falar em “telemedicina” e “medicina interativa” para acompanhar doentes que estão em casa ou que não se podem deslocar até ao hospital. Algumas das tecnologias que aplicamos na Indústria 4.0 também têm aplicações aqui – é possível interligar equipamentos de imagiologia e radiologia ou monitorizar pacientes à distância, por exemplo – e daí nasce uma verdadeira  “Saúde 4.0”.

 

Um dos melhores exemplos deste tipo de tecnologia 4.0 é o Libreview da Freestyle, um software que permite aceder aos registos gravados em qualquer glicosímetro da marca. Quando emparelhado com um Freestyle Libre, um leitor de glicemia que funciona através de tecnologia NFC, basta que o doente passe o leitor pelo sensor para que o médico possa ver a glicemia naquele momento. Ficam também disponíveis os gráficos diários e mensais, juntamente com uma série de outras estatísticas sobre o controle continuado da glicemia.

 

De resto, há já alguns anos que os robots são usados para cirurgias que requerem um nível de precisão quase impossível para a mão humana. Agora, os “robots médicos” são usados em centros de deteção da COVID-19, para medir a temperatura dos pacientes, para entregar medicamentos a quem está em isolamento e até para desinfetar quartos.

 

Isto permite, por um lado, diminuir o risco de contagiar profissionais de saúde e, por outro, economizar material de proteção em tarefas rotineiras. O mais provável é que, depois da “prova de fogo” da COVID-19, este tipo de tecnologias se desenvolva cada vez mais.

 

Big Data ao serviço da Saúde Pública 

A “big data” é uma das grandes buzzwords associadas à IoT. Usamos esta expressão para nos referir à enorme quantidade de informação que podemos recolher através da interconectividade, ao ponto de se tornar “improcessável” manualmente. Aos poucos vamos aprendendo a integrar sistemas e a tomar decisões com base em todos os dados de que dispomos, incluindo durante a pandemia.

 

Geralmente ouvimos falar em “smart cities” que usam a big data para otimizar serviços municipais como a recolha de resíduos ou os lugares de estacionamento. Com a COVID-19, pusemos a big data ao serviço da saúde pública. Países como a China, a Coreia do Sul e a Austrália usaram big data para criar mapas epidemiológicos e rastrear cadeias de transmissão (e, no caso da China, também para verificar se o isolamento social estava a ser cumprido). Em Portugal foi lançada a Covidografia, uma iniciativa do projeto #tech4COVID19, do qual a Infraspeak faz parte. 

 

O que há 10 anos não passava de ficção científica tornou-se realidade, e a IoT afirmou-se como uma solução para lidar com outros problemas de saúde pública no futuro.

 

Uma última palavra sobre IoT e Manutenção Industrial

Por outro lado, as falhas de manutenção podem ser fatais para quem se está a tentar manter à toa. Se não pode arriscar a ter mais downtime este ano, a manutenção preditiva merece a sua atenção. Sabemos, por exemplo, que os sensores de temperatura e os sensores acústicos de medição são eficazes a detetar avarias. Isto permite aos seus técnicos analisar os resultados e tomar decisões mais assertivas sobre os trabalhos que precisam de executar e com que urgência. 

 

Outra vantagem de muitos destes métodos de manutenção preditiva é que, ligados a um software de manutenção cloud-based, também permitem fazer inspeções de forma remota – inspeções virtuais – para chegar a um diagnóstico sem aceder fisicamente ao local. Além disso, com um CMMS ligado à cloud, o gestor de manutenção consegue acompanhar todas as avarias e atribuir tarefas à distância. 

 

E depois da COVID-19?

O impacto da COVID-19 na IoT pode estender-se muito para lá do confinamento, especialmente se o vírus continuar a circular pelo mundo. A pandemia veio separar as empresas em dois tipos: as que estavam preparadas para usar a tecnologia a seu favor e seguir em frente, e as que resistem a adaptar-se a novas formas de trabalhar. É certo que esta divisão digital já existia antes, mas nunca tinha sido tão acentuada ou tão decisiva.

 

As empresas que desinvestiram em projetos de R&D e na inovação tecnológica arriscam-se a ficar para trás durante os próximos anos, enquanto novas empresas emergem como alternativas. Por isso, o que precisa de perguntar a si próprio é: em que lado da trincheira está?