Quando falamos em manutenção, é fácil pensarmos apenas na manutenção de máquinas de produção ou em grandes equipamentos. Nem sempre falamos da manutenção do próprio edifício, embora seja uma das melhores formas de valorizar o imóvel e continuar a dar uma experiência irrepreensível ao usuário. A propósito deste tema, queremos recuperar uma agradável conversa com Cláudio Celino, da empresa Sinergia, especialista em manutenção predial com mais de 20 anos de experiência no setor. 

 

O Estado das Coisas: qual é o principal desafio da manutenção predial?

Em Facility Management, o outsourcing é a norma. A McKinsey estima que o outsourcing já representa mais de metade do mercado de FM e a tendência é as empresas entregarem todo o FM a um só parceiro. Mas, por enquanto, a maioria ainda lida com vários prestadores – por exemplo, uma empresa para a limpeza diária, outra para a limpeza da fachada, outra para os sistemas de segurança, outra para a manutenção das escadas rolantes, e por aí em diante. 

 

Como é difícil para os gestores (internos) controlar tudo o que faz cada prestador, “transformam-se num pagador”, atira Cláudio Celino. E é exatamente esse o primeiro grande desafio da manutenção predial: a falta de controlo. Mas quais são as causas desta falta de controlo? E quais as suas ramificações? Segundo a sua experiência, a falta de controlo advém de três fatores: 

 

Falta de pessoas

O primeiro fator que contribui para o descontrolo é a falta de pessoas. Os departamentos de Facility Management costumam ter falta de pessoal. A manutenção das máquinas necessárias ao core business é prioritária, mas tudo o resto é encarado como um “gasto”. Por isso, há falta de pessoas focadas na gestão das instalações ou em recolher, analisar e auditar dados úteis à manutenção predial.

 

Falta de sistemas

O segundo fator é a falta de sistemas. Mesmo que cada prestador use um software e tenha uma boa organização interna, raramente há um sistema que centralize toda a informação. Por isso, é muito difícil o gestor acompanhar o que está a fazer cada prestador, obter informação atualizada, ter uma percepção dos trabalhos pendentes e cruzar dados. 

 

Falta de processos

Por último, falham os processos. Isto é, mesmo quando há alguma consciencialização sobre o FM, e existe um sistema onde inserir dados, não há um processo bem definido. Por exemplo, pode não haver pontos de recolha de informação bem definidos. Ou a equipa nem sempre regista a abertura e o fecho dos trabalhos. O resultado é informação pouco fidedigna e quase sempre desatualizada. 

 

A propósito dos últimos dois pontos, o relatório da McKinsey recorda que o Facility Management está atrás de outros setores, incluindo a manutenção de equipamentos, tanto em maturidade digital como na penetração de tecnologia. Apesar de não faltarem opções, há falta de competências digitais e não é uma prioridade para as chefias, que se focam na redução de custos.  

 

As plataformas inteligentes, capazes de integrar com um sem número de ferramentas, são uma das opções mais disruptivas para o setor. Ao reunir toda a informação, permitem recuperar o controlo das operações diárias. Mas não é tudo. Há mais dois grandes desafios na manutenção predial, que influenciam e são influenciados por esta falta de controlo: a falta de tempo e a falta de valorização. Ambos podem melhorar significativamente com a ajuda da tecnologia. 

 

Um ciclo vicioso: porque é que o Facility Management não é valorizado?

 

A gestão de infraestruturas, o acompanhamento das obras e das operações diárias exigem tempo, atenção e dedicação. Mas, como já dissemos, a maioria das empresas não prioriza o FM. Muitas vezes, há apenas uma pessoa a supervisionar toda a manutenção. Isso faz com que tenha de se focar nos serviços imprescindíveis, e tudo o resto acaba por ficar para segundo, terceiro ou quarto plano. 

 

Obviamente, a constante falta de tempo acaba por levar à falta de controlo. Por outro lado, como nunca há tempo para implementar sistemas nem processos de controlo, o FM acaba por exigir ainda mais tempo do que seria desejável. Aqui já começamos a entrar num loop de ineficiência e desorganização, que traz as suas próprias consequências. 

 

Uma vez que não há tempo para fazer todas as tarefas nem processos de controlo, torna-se impossível demonstrar resultados. “O que não se mede não se gere”, como já ouvimos tantas vezes. Como não se conseguem demonstrar resultados, ou provar que o FM influencia os resultados da empresa, as chefias continuam a negligenciá-lo e a insistir na redução de custos. É este ciclo que leva à “redução de custos” e à “falta de priorização” apontadas no relatório da McKinsey.

 

Como justificar o investimento em tecnologia de Facility Management 

 

Ironicamente, a redução de custos pode estar a sair-lhes cara. Com uma ferramenta apropriada para FM, o gestor consegue controlar o custo mensal da manutenção, as despesas com manutenção corretiva, inserir informação sobre o que investiu, o retorno que obteve e até a depreciação dos ativos. Ao longo do tempo, consegue ter uma noção da vida útil de cada equipamento, prever vai ter de os substituir ou fazer manutenção.

 

Por outras palavras: a recolha sistemática de dados traz previsibilidade. Como explica Cláudio Celino, “com essa previsibilidade, já sei quando tenho de substituir aquele equipamento. Consigo planear a manutenção muito melhor e reduzir o número de manutenções corretivas. Mas sempre mantendo o mesmo número de manutenções preventivas.” 

 

Para o cliente, também é muito melhor. “É preciso demonstrar que a manutenção foi feita – quando, por quem e durante quanto tempo – e que foi feita de acordo com o plano de manuntenção”. Assim, é muito mais fácil demonstrar o trabalho do prestador de serviços e realçar o papel do FM na valorização do edifício e da experiência do usuário. Esta última é uma das principais tendências da Indústria 5.0, que se avizinha mais humanizada.

 

“Precisamos de uma sinergia entre os sistemas, as pessoas e os processos”, remata.  Dito assim, não faltam razões para embarcar numa transformação digital e inverter o cenário atual. É altura da manutenção predial deixar de ser uma batalha inglória!