Olá Jessica! Você veio de São Paulo, Brasil, para Portugal e antes de chegar, já tinha trabalhado em startups. Conte-nos um pouco sobre isso e sobre as principais diferenças que encontrou.

 

Eu trabalhei em duas startups com perfis totalmente diferentes antes de vir para cá. Já tinha trabalhado em multinacionais mas fiz uma escolha de trabalhar em startups porque tem muito mais o meu perfil de trabalho e de dinâmica. 

 

A primeira startup em que trabalhei era uma startup que vendia software para clínicas e hospitais, para fazer toda essa organização de pacientes, clínicos e tudo o mais. Curiosamente, quando entrei na Infraspeak, em Fevereiro de 2019, descobri que era o número 25, o mesmo número que eu tinha nessa startup o que foi muito bizarro… Fiquei lá até chegar a 100 pessoas. Aí houve uma retração e eu decidi que queria trabalhar numa empresa um pouco mais estruturada. 

 

A minha segunda experiência foi uma startup do mercado do crédito que estava num momento diferente, com 900 funcionários e uma base de 3 milhões de clientes (quando saí para vir para Portugal eram 1500 e hoje são mais de 2000). Foi interessante porque mesmo sendo uma empresa já com 5 anos e com investimento grande, eles conseguiam manter uma dinâmica de promoção rápida, que permitia às pessoas crescer rapidamente na empresa, tudo dependendo da performance. Ao mesmo tempo, tinham todos os processos bem estruturados com divisão por squads e 1on1s semanais, entre outras coisas, 

 

Depois de sair de lá vim para Portugal e para a Infraspeak porque estava dando preferência para uma startup. Acho que startups, independentemente do local onde se encontram têm crescimento rápido, tudo muito dinâmico. Hoje você toma uma decisão ou criou um projecto e na semana que vem já está sendo feito. Tem muito essa lógica do errar rápido e resolver mais rápido ainda logo a gente aprende muito rápido e parece que 6 meses são 10 anos. Isso me puxa muito para startups. Você entra para uma função, coloca a sua mão em vários projectos diferentes e até pode fazer essa transição, se for o caso. Você sente que tem muito mais impacto, tanto na vida da empresa, como na vida das pessoas que se beneficiam dos serviços. 

 

Sabemos que a melhor coxinha de frango que comeu foi em Portugal! Já se sente adoptada ao novo país? De que tem mais saudades do Brasil e que principais diferenças encontrou quando mudou?

 

Agora já me sinto mais integrada, principalmente depois de ter comido a coxinha!

 

Na verdade, quando eu cheguei a Portugal fiquei um pouco chocada. Eu só tinha viajado para os Estados Unidos e ficado em cidades muito grandes como Chicago ou Nova Iorque. A gente pensa que país desenvolvido é tudo a mesma coisa, tecnológico, rápido, tudo 24 horas. Quando cheguei a Portugal, vim para uma cidade com 200.000 habitantes e descobri que as coisas fechavam entre as 6 e as 8 horas da noite. Como eu vim de São Paulo eu pensei “Meu Deus, como eu vou viver assim?”. Estava muito acostumada a que o meu dia tivesse 48 horas.

 

O segundo choque foram as pessoas. Primeiro, não entendia nada do que elas falavam! Eu não sei nem pronunciar os tempos verbais que são usados aqui. Além disso, o ‘Português’ é uma pessoa muito direta. No começo, eu falava com as pessoas e ia para o meu canto chorar porque pensava que tinham um problema pessoal comigo! Mas não é assim e é bom que as coisas sejam claras. Vive-se muito melhor!

 

Hoje já me sinto adoptada. Já tenho o meu círculo, que é um dos pontos principais para o imigrante se sentir em casa e tenho pessoas que me apoiam se eu precisar de um sofá para dormir, um ombro para chorar ou de alguém para tomar um café. Sou uma pessoa muito sociável e lidar com essa falta foi muito difícil para mim no começo.

Quando andava na rua aqui em Portugal, eu percebi que embora houvesse muitos Brasileiros, ninguém sabia como eu “sou”. Ninguém sabia como eram as minhas festas de aniversário, as minhas comidas, os meus rituais. Quando você olha para o seu país de fora, todo o mundo é seu irmão e quando eu falo com com Brasileiros aqui, vem logo um “Ah! na minha casa também era assim…”.

 

Imigrar é a escolha de nunca ser inteiro de novo. Sinto muito a falta de sentir que pertenço 100% a esse lugar e sei que provavelmente isso nunca vai acontecer aqui.  

 

Você ponderou deixar a Infraspeak para participar do Masterchef mas a gestão de manutenção ganhou! Cozinhar é mais do que um hobby para você? Vê algum projeto de futuro nisso?

 

Eu só cozinho desde os 17 ou 18 mas gosto muito de cozinhar. Sou muito dispersa e me distraio facilmente mas quando estou cozinhando, estou totalmente focada naquilo e era algo que eu fazia quando estava muito estressada.

 

Na verdade, quando trabalhava na startup no Brasil, como eu tinha muitas despesas veterinárias com a minha cachorra, eu comecei a fazer bolos e a vender na empresa que tinha mais de 1000 funcionários. Tinha uma boa clientela. 

 

Quando cheguei a Portugal, estava naquele momento complicado de “será que fiz a coisa certa?” e como sempre amei ‘Masterchef’, quando abriram as inscrições, eu me inscrevi! Fiz um vídeo e fui aprovada! Decidi então fazer um prato que no Brasil se chama “panqueca” mas que não é a panqueca daqui ou dos Estados Unidos. Fiz uma massa salgada com carne picada, patê de Berinjela, molho de tomate caseiro e acabei com um toque de Portugal que descobri que é incrível cebola fritae eles gostaram e descobri que tinha passado!

 

O problema é que tinha que ir para Lisboa, para as semifinais, e me comprometer em ficar 3 meses sendo aprovada para gravações. Na altura, eu tinha acabado de entrar na Infraspeak e começando um curso de Espanhol. Ponderei um pouco e achei que se eu transformar aquilo que eu gosto numa obrigação vou passar essa energia para comida e não vai ser bom.

 

Por isso, decidi ficar na Infraspeak.

 

Hoje considero isso uma decisão certa e, claro, continuo cozinhando.

 

Feminismo é uma causa importante para você, o que não deixa de ser curioso porque trabalha numa indústria maioritariamente masculina. Como é que vê o papel da mulher em cargos de liderança, em geral e especificamente em empresas tech?

 

Descobri o feminismo no último ano da faculdade (Relações Internacionais) quando resolvi fazer a tese sobre o papel da “ONU na Obtenção dos Direitos das Mulheres” e no que foi feito para diminuir a desigualdade nos cargos e a disparidade salarial. Isso foi um ponto muito importante para mim porque quando começamos a estudar minorias, começamos a ver pontos que nós mesmo conhecemos. Feminismo não é só importante para as mulheres mas para os homens também, que sofrem pela pressão da sociedade em seguir o padrão, neste caso em ser homem, de sustentar família, ter barba, o que for.

 

Ter que seguir um padrão por ser mulher, homem, branco, preto… quando começamos a estudar, a gente percebe que já sofreu muito por isso sem dar conta e a gente se conscientiza muito sobre as outras minorias. Não tem  como estudar sobre feminismo sem entender bem sobre racismo ou quão estrutural é e isso foi muito importante para mim como pessoa. Fez uma diferença muito grande na minha vida porque os locais, as pessoas e as empresas onde eu estava mudaram totalmente.

 

Startups de uma forma geral, pelo menos nas que eu trabalhei, têm uma lógica de mérito muito grande. Teoricamente, não importa de onde vem, o seu gênero ou a sua cor. O que importa é sua performance. A questão não é chegar lá e lutar por isso, é mesmo sequer chegar nesse parâmetro. Na Infraspeak, por exemplo, as mulheres só chegaram no time de Engenharia neste mês. Isso não é por falta de mérito mas porque as mulheres são condicionadas pelas novelas, pelos pais, pelas propagandas. Mulher não pode ser muito ambiciosa. Tem que pensar nos filhos, na casa. Tem que ir para área da saúde. Não pode usar ferramenta…Isso vem de muito cedo.

 

Não sou crente que verei uma igualdade até morrer porque isso é geracional, é estrutural, e demora tempo. Nem todo o mundo está consciente ainda. Algumas famílias ainda educam os seus filhos assim e isso é normal…É como o mundo funciona. Hoje, eu fico muito feliz, por exemplo, por ter uma equipe inteira de QA na Infraspeak só de mulheres. 

 

Apoio muito em alguns casos as cotas, ou até colocar alguns limites porque o mundo foi desigual por tantos anos… 500, 700, 1000, desde que o mundo é mundo. Até que a gente normalize isso a gente precisa impor algumas coisas.

 

É tapar o sol com a peneira? É. Mas é o que a gente pode fazer hoje uma vez que a gente tem consciência hoje e estou muito satisfeita por estar num local que condiz com os meus valores, os meus princípios e o que acredito na essência.

 

Última pergunta! Você mesma disse que é uma pessoa muito social. Mesmo conseguindo trabalhar normalmente de forma remota, como foi estar fechada em casa durante esta pandemia?

 

Para mim foi muito difícil mesmo. 

 

Na Infraspeak, temos a liberdade de trabalhar remotamente quando a gente bem entender. Principalmente na área em que eu atuo (Sales Development). Não somos trabalhadores que vão ao cliente, que atuam em campo. Estamos sempre ao telefone ou em videoconferência mas mesmo assim, eu nunca fazia remotamente. Para mim fazer esse “switch” entre casa e trabalho era importante.

 

O problema foi não conseguir perceber muito bem o meu ambiente de casa. Eu me distraio muito facilmente e também perdi um pouco a noção das horas. Além de ser remoto havia uma quarentena, a gente não tinha mais nada para fazer. Reunião às 9 ou 10 da noite? Tudo bem!

 

As pessoas que fazem trabalho remoto quando o mundo funciona como um todo, conseguem fazer as suas rotinas, ir para a academia e tudo mais. Durante a pandemia era bem mais complicado. No ambiente de trabalho, quando uma reunião não corre como esperado ou a ligação tá ruim, você pode ir falar com alguém, ir arejar no jardim, tomar um café. Embora eu vivesse numa casa com dois Infraspeakers, você não tem isso em quarentena!

Além da questão do trabalho, não poder ter a vida que eu costumava ter como almoçar com amigos ou ir passear na praia foi difícil e a adaptação não foi rápida. Teve dias que eu trabalhava 12 ou 13 horas e dias em que trabalhava 4. Foi mais de um mês a contemplar o teto, até conseguir retomar o ritmo que tinha no escritório.

 

Jéssica é Sales Development Representative e a convidada desta semana do Inside Infraspeak. Obrigado, Jéssica!